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A JUDICIALIZAÇÃO ELEITORAL E OS RISCOS À DEMOCRACIA

Atualizado: 24 de out. de 2021








Escrito por Leonardo Condurú (01/10/2018)

I. A cassação dos direitos políticos do eleitor e a burla à CF por parte do STF e TSE


Em 26/09/18, o TSE promoveu o cancelamento de 3,4 milhões de títulos eleitorais brasileiros emitidos entre 2016 e 2018, em 1.248 municípios de 22 Estados, indeferindo medida cautelar interposta pelo PSB, no sentido de manutenção do direito de voto dos eleitores prejudicados.


No pedido, o PSB defendia que a falta de cadastramento biométrico não era razão suficiente para impedir o voto daqueles eleitores, alegando ainda “violação à democracia, à cidadania, à soberania popular e aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade” caso a medida de cancelamento fosse mantida pelo STF.



Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, relator da medida cautelar, não houve inconstitucionalidade no modo como a legislação e o TSE disciplinaram a revisão eleitoral e o cancelamento dos títulos em caso de não comparecimento para a sua renovação. O TSE alegou dificuldades técnicas e o risco para as eleições, que estão a menos de duas semanas, caso a decisão fosse reconsiderada.


O ministro Moraes, acompanhando o relator, exerceu com máxima soberba o que chamou de "paternalismo no tratamento do eleitor" caso a ação fosse julgada favorável, com validação de direito de voto dos eleitores. Segundo ele "o eleitor tem direitos e deveres. Tem direito a ampla participação e um único dever, o de se recadastrar quando chamado", disse. "Se a grande maioria que não se cadastrou são os mais pobres, a grande maioria que se cadastrou também são os mais pobres", declarou, em quase contradição ao voto do relator.


Na sequência, o ministro Fux também se declarou contrário ao pedido do PSB afirmando que a biometria faz parte de um processo de aprimoramento da Justiça Eleitoral contra falsidades de eleitores e ilegalidades na votação. "Essa biometria só fez o bem. O que é surpreendente é essa ação ser proposta a apenas 10 dias da eleição, o que visa a gerar um ambiente de suspeição", afirmou o ministro.


A ministra Carmen Lúcia também se posicionou ao lado de Barroso e disse que "não há violação a qualquer um dos princípios apresentados, como violação ao direito do voto". Para a ex-presidente do STF, "voto é também dever, e se exerce nos termos da Lei, e temos lei, há 33 anos, a qual tem a possibilidade de cancelamento do título de eleitor de quem não comparecer para recadastramento, seja antes ou na revisão eleitoral”.


Diante destes argumentos, veja-se o que dizem os dispositivos constitucionais que regulam os direitos políticos e a cidadania do povo brasileiro:


1) A soberania popular é exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, tal como estabelece o Artigo 14 da CF, que trata dos direitos políticos. Do § 1º deste mesmo artigo, sabe-se que o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de dezoito anos e facultativo para os maiores de 70 anos.


2) Assim sendo, votar constitui um dever e um direito de cada cidadão, desde que o mesmo esteja devidamente alistado para este ato de civismo e tenha idade compreendida entre os 18 e os 70 anos.


3) De acordo com a CF, ao se negar o direito de voto a quem estava igualmente obrigado, porque devidamente alistado, simplesmente porque não foi “recadastrado biometricamente” caracterizaria, ao meu ver, a cassação dos direitos políticos do eleitor, esse é o termo, ainda que por esta única eleição, de 2018. No caso concreto, a cassação dos direitos políticos de 3,4 milhões de eleitores, que podem decidir uma eleição como já ocorrera em 2014.


4) O Artigo 15 da CF é taxativo ao estabelecer que a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:


I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II - incapacidade civil absoluta;

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

V - improbidade administrativa, nos termos do Art. 37, § 4º.


5) Ou seja, é vedada a cassação de direitos políticos em quaisquer circunstâncias que não as elencadas nos incisos I a V, do Artigo 15 da CF. O recadastramento biométrico, como é sabido, não se enquadra em nenhum desses quesitos.


II. A corte superior eleitoral brasileira, única no mundo, a todos submete e põe em risco a democracia brasileira


Num país de dimensões continentais como o Brasil, com mais de 145 milhões de eleitores, o sistema eletrônico de votação constitui um meio muito eficaz e seguro para o eleitor exercer a cidadania do voto e já é uma referência mundial, podendo constituir-se, em si mesmo, em bens e serviços exportáveis e com isso trazer divisas para o País.


No processo eleitoral, em linhas gerais, o terminal de um mesário possui um teclado numérico, onde é digitado o número do título de eleitor, e uma tela, onde aparece o nome do eleitor, se ele pertence àquela seção eleitoral e se está apto (habilitado) a votar.


Antes da habilitação, nas seções onde haja identificação biométrica, o eleitor tem a sua identidade validada pela urna. Desta forma, um eleitor não poderia votar por outro, a princípio, graças tão somente à identificação biométrica, tal como postulado pelo ministro Fux em seu voto.


A urna eletrônica por si só já seria um motivo de segurança extrema no processo de votação, como vinha sendo até então. Em nenhum momento, quando de sua implantação, falava-se em validação biométrica. Mas, os legisladores eleitorais do TSE queriam segurança de 100% na incolumidade dos votos e dos eleitores. A biometria, portanto, seria o instrumento adequado contra falsidades de eleitores e ilegalidades na votação.


Contudo, nas eleições presidenciais de 2014, e também nas eleições municipais de 2016, sabe-se que muitos eleitores não conseguiram o direito de voto identificado biometricamente, porque simplesmente a maquininha biométrica não conseguiu validá-los. Em alguns casos isso não foi possível nem no 1º nem no 2º turno. Mas, vejam só, nos dois turnos uma simples assinatura e a conferência de dados pessoais da cédula de identidade do eleitor garantiriam o seu direito de voto, fosse para presidente, em 2014, ou prefeito, em 2016, em pleitos de dois turnos.


Aí está a grande contradição do STF e do TSE e onde reside o xis da questão: se um eleitor foi cassado por não estar habilitado biometricamente e por esta razão foi impedido de votar em 2014; da mesma forma também não o estaria em 2016, porque não teve a habilitação homologada pela tal maquininha que teria pifado na hora agá.


Contudo, ainda assim, lhe foi permitido o voto por um singelo ”jamegão” aposto no caderno de eleitores, como se fazia em eleições passadas. Assim, dado que a identificação biométrica fora invalidada, um eleitor poderia votar por outro, ainda que em tese, invalidando um a um os argumentos apontados pelos ministros mencionados em seus votos para o cancelamento dos títulos.


O TSE alegou dificuldades técnicas, financeiras e o risco para as eleições, caso a decisão fosse reconsiderada a menos de duas semanas para o pleito. Vamos e venhamos, a alegação de dificuldades financeiras, mantendo-se o aparato destas máquinas identificadoras biométricas, que tem custos adicionais elevados para a Nação, incluindo-se as despesas de reparos e manutenção, não têm justificativa. Em especial sabendo-se da quantidade enorme de seções eleitorais existentes, quando de sua adoção obrigatória em todo o País.


A quem interessaria, portanto, um negócio dessa dimensão?


Aperfeiçoamentos sistemáticos nas urnas eletrônicas e nos softwares que as alimentam, e só isso, seriam mais do que suficientes para a garantia da lisura de qualquer pleito em qualquer parte do mundo, dispensando-se por absoluta inutilidade tais maquininhas, em minha opinião.


Independente de quaisquer interesses político-partidários, parece que o STF e o TSE exorbitaram de suas funções, em flagrante violação de dispositivos constitucionais que regulam os direitos políticos e a cidadania do povo brasileiro. Neste particular, não foi a primeira vez que isto aconteceu.


Até hoje, o STF não se manifestou colegiadamente a respeito da absolvição da ex-presidente Dilma, no tocante à suspensão de seus direitos políticos que lhes foram garantidos pelo ministro Lewandowski, mediante as suas famosas pedaladas jurídicas de fatiamento da pena de impeachment imposta à ex-presidente.


A pena única inscrita na CF, de “cassação de mandato e suspensão de direitos políticos por oito anos” a mandatários submetidos a impeachment por crimes de responsabilidade foi aviltada, autocrática e criminosamente, garantindo-se a Dilma, ilegalmente, o direito de se candidatar ao Senado Federal nestas eleições, de 2018.


Ao tergiversar nesta questão, o STF só tende a criar insegurança jurídica, agindo com dois pesos e duas medidas diante do cidadão comum e de alguém que outrora dispunha de foro privilegiado.


A esse respeito, os eleitores e admiradores da ex-presidente poderiam argumentar que o Artigo 15 da CF, que elenca os casos de perda ou suspensão de direitos políticos, não indica essa possibilidade a presidentes submetidos a impeachment como uma de suas causas.


Logo, a cassação de direitos políticos não se aplicaria à ex-presidente Dilma. Ledo engano: a ex-presidente foi submetida legalmente a impeachment, cuja pena é única, indivisível e indecomponível, de “cassação de mandato e suspensão de direitos políticos por oito anos”. E mais não se fale quanto a este predicado.


Como é sabido, o Brasil passa por uma crise gravíssima, de cunho moral, ético, político e econômico que não sabemos quando e onde vai terminar. E o judiciário, via STF, tem contribuído para exacerbar essa situação com a sua notória intromissão na coisa pública, gerando perplexidade e insegurança jurídica onde quer que intervenha.


III. As contradições do STF e do TSE no tratamento da biometria e do voto impresso auditável


Agora, sob o tacão da suprema toga, e com o aval do TSE, interfere na soberania popular do sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, ao atropelar o Artigo 14 da CF.


Por outro lado, o clamor público contra o desperdício de nossos parcos recursos não deixa graus de liberdade para o STF e o TSE fazerem do Judiciário um mero apêndice de sua atuação; nem tampouco para gastos, ao meu ver, supérfluos e absolutamente desnecessários como os que vêm sendo empregados com essas famigeradas e descartáveis máquinas identificadoras biométricas, ao custo previsto de R$3.700,00, cada uma, mais um suposto software de impressão de votos e checagem de boletim de urnas.


Considerando o número estimado de urnas em cerca de 600 mil, pode-se inferir sobre o custo total, das maquinetas mais software, próximo de R$ 2 bilhões. É muito dinheiro público para pouquíssimo benefício à sociedade.


Contraditoriamente, as duas cortes (TSE e STF) recusam-se a gastos extras com melhorias na segurança adicional das eleições e do voto do eleitor, rejeitando qualquer possibilidade de implantação do voto impresso auditável, alegando que os custos de máquina de impressão, urna adicional de comprovantes de votos e papel seriam muito caros, além do fato de o sistema atual ser considerado suficientemente seguro para incorporar mais este aparato, sem que entrassem no mérito do custo x benefício que tal medida traria para o aumento da segurança das eleições e da defesa da democracia, por extensão.


Contrariando tais argumentos, a Polícia Federal apresentou Relatório ao STF, em 27/09/18, defendendo e recomendando a adoção do voto impresso auditável e a transferência para a ABIN das tarefas executadas por empresas terceirizadas do TSE no tocante à apuração e totalização de votos, exatamente com a intenção de aumentar a segurança do sistema eleitoral brasileiro, como um todo.


Sobre este assunto, o leitor saberia responder quem estaria com a razão?


Existe um outro aspecto a ser considerado nesse tira-teima, qual seja o de que a justiça eleitoral e sua corte suprema, o TSE, só existem no Brasil, não encontrando paradigma em qualquer outro país do mundo. E talvez aqui vá uma dica para a resposta do leitor ao quesito formulado no parágrafo anterior.


Neste particular, é bom lembrar que os poderes da República são alimentados financeiramente pelo erário, a partir do Orçamento Público da União — uma cesta de moedas comum, fruto do quinhão dos impostos e contribuições de todos os cidadãos — tornando-os, de fato e de direito, interdependentes entre si, ainda que autônomos em suas decisões.


Deve-se mencionar, ainda, que a inserção do dispositivo constitucional, em cláusula não votada, de independência dos poderes da República foi fruto da atuação direta do ex-deputado constituinte, Nelson Jobim, então membro da Comissão de Organização dos Poderes e Sistema de Governo, que nos legou uma grande fanfarronice, a qual vem permitindo se legislar em causa própria, em corporativismos imorais, além de gastança de toda ordem, principalmente por parte do Judiciário, à revelia da sociedade.


Não é de se estranhar, portanto, que o Judiciário, via STF, em especial, tenha se arvorado como o poder máximo da Nação, imiscuindo-se e avocando a si a governança de quase tudo em todas as esferas da administração pública, desde a atuação do Congresso até a do executivo, fazendo às vezes o papel de presidente da República, numa autêntica sanha de poder. E judicializando, pasmem, a própria democracia, numa autêntica ditadura da toga.


Por conta de descalabros como esses, as reformas política, institucional, previdenciária, trabalhista e tributária andam na ordem do dia no País e impõem o fim de privilégios inaceitáveis à sociedade.


E não se iludam, também a reforma judiciária, talvez a mais urgente e importante de todas, porque mexe diretamente com a jurisdição, a cidadania do povo brasileiro e o estado democrático de direito, grandemente ameaçados pela insensatez deste Poder que nos açoita, por meio do preposto STF, em particular.

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