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A selvageria dos juros altos e o faquirismo do crescimento industrial e econômico brasileiro


Por Leonardo Condurú *

Em maio/2017, o Valor Econômico publicava relação de 23 executivos ganhadores do prêmio “Executivo de Valor 2017”. Naquela amostra ficou patente a falta de criatividade de nossas elites: só pediam pelo destravamento do crédito do BNDES e a redução dos juros que, junto com licitações para obras de infraestrutura, seriam formas adequadas de se aumentar a produtividade e expandir a economia.

Nada se falou acerca da definição de uma política industrial que fosse capaz de guiar o Brasil numa rota de crescimento sustentável de médio e longo prazos. E enquanto pediam licitações para os investimentos almejados, ignoravam, por exemplo, o seguro-garantia integral para as obras licitadas, o que incluiria um terceiro parceiro negocial na sua execução, como forma de mitigação do risco da corrupção e do superfaturamento das obras públicas.

Ninguém foi capaz, sem parcimônia, de apontar os itens do Custo Brasil, como o alto preço do dinheiro, via spreads e cartel bancários; a carga tributária e suas amarras; a infraestrutura deficiente em todos os níveis; a burocracia insidiosa e cara, dentre outros, como principais ingredientes de nosso ambiente de negócios que o tornam hostil à produção industrial e que retiram competitividade e isonomia da economia brasileira frente a de outros países, inclusive dos BRICS.

Das finanças corporativas, sabe-se da relevância do custo médio ponderado do capital (WAAC, da sigla em inglês) na seleção do investimento produtivo no Brasil e, nesse contexto, não seriam as linhas de crédito do BNDES que precisariam ser destravadas e o seu custo reduzido ainda mais. Trata-se, isto sim, da necessidade de destravamento do crédito bancário como um todo, sabidamente refratário ao investimento de longo prazo, e a redução do seu custo, dentre os maiores do mundo, fruto do viés propiciado pela dupla Selic (como mera referência) e spreads bancários desprovidos de qualquer realismo.

Neste cenário, além de se postular por um equilíbrio fiscal que possa dar garantias ao processo de redução das taxas de juros, poderia ter sido mostrada a relevância dos bancos de fomento como contraponto ao apetite dos bancos comerciais em cobrar juros altos. E nessa direção, também nada foi dito a respeito dos juros elevadíssimos cobrados pelos bancos no consumo, via cheques especiais e cartões de crédito, que vêm sendo incensados há anos na orgia da ciranda financeira, nas barbas do BCB.

Ultimamente o BCB tem atuado de maneira mais proativa, dando golpes profundos na Selic, baixando-a, em pouco mais de um ano, de 14,25% a.a., para 7,00% a.a., o que trouxe algum alento para a economia como um todo. Mas ainda há muito por fazer no tocante às outras taxas, tanto no consumo quanto no investimento.

Em iniciativa saudável e recente, o BCB prometeu “estudar em profundidade a questão do crédito livre versus crédito direcionado, e seus impactos sobre o custo do dinheiro e a eficácia da política monetária no controle inflacionário”. É bom não se esquecer, contudo, de incluir nesse rol o papel da inflação inercial, via indexação de preços administrados, tendente a levar um bom pedaço de eventual ineficácia da política monetária, servindo como contraexemplo àquele do crédito direcionado.

Uma das principais queixas do BCB com relação ao crédito direcionado seria a de que estaria imune aos instrumentos monetários de controle da inflação porque as “suas taxas são fixadas e não variam muito quando as taxas básicas aumentam“ e que, por isso, toda a força dos juros estaria concentrada no “crédito livre”, onerando o custo de capital das empresas.

Ora, como se sabe, o crédito livre no Brasil é incipiente e suas taxas são muito descoladas da Selic, desde as cobradas no capital de giro para as empresas até as do crédito consignado aos mais pobres, com taxas muito elevadas (mais do que o dobro da CDI efetiva mensal).

Num sistema bancário oligopolizado, sabidamente refratário a financiamentos de longo prazo para a indústria e onde não há concorrência de taxas, ao se querer imputar o papel de bode expiatório ao crédito direcionado pelo fracasso na execução de políticas de estabilização monetária pode-se incorrer em gravíssimo erro. Vale lembrar, que as taxas básicas não são livres porque fixadas e tabeladas pelo BCB, operando muitas vezes em sintonia com o mesmo mercado que atua em “efeito de manada” na defesa seus próprios interesses como players na jogatina dos juros.

Aliás, por conta da ciranda financeira e de erros na formulação de políticas, a economia brasileira vem sofrendo sérias distorções alocativas, como a perda da participação industrial no PIB e a bancarização de serviços de quase tudo, além da proliferação de “financeiras” e administradoras de grandes fortunas. Estas últimas, também chamadas de “boutiques financeiras”, têm no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, o maior núcleo de banqueiros desse naipe, quiçá do mundo.

No entanto, essas boutiques não são muito bem vistas pelos bancos comerciais em razão de concorrência “supostamente predatória” que praticam contra estes, em especial em operações no mercado de capitais. Na prática, contudo, contribuem para reduzir, e muito, o custo de determinadas operações com valores mobiliários, em pregão ou em balcão. Em IPO (initial public offering), por exemplo, não fosse por elas, os preços cobrados na formatação, estruturação e colocação de todo o processo pelos bancos tenderiam a ser proibitivos para o consumidor final.

Mas, enquanto se incomodam com as boutiques, as instituições financeiras, com a conivência do BCB, continuam fazendo vista grossa às operações praticadas pelas tais financeiras, verdadeiras casas de agiotagem, que operam a céu aberto como autênticos camelôs do crédito bom, bonito e caríssimo. Bem mais caro do que o filet mignon das taxas dos cartões de crédito e dos cheques especiais cobradas pelos bancos, que se aproximam dos 500% a.a.

Algumas delas, como a Crefisa, vêm acumulando processos na justiça por cometimento de sérias irregularidades, que vão desde a sonegação de informações aos usuários, até a usura e cobrança de juros abusivos que orbitam acima dos 800% a.a., lesando, em sua maioria, idosos e aposentados endividados pelo consignado que não puderam quitar. E que depois caem no “conto do paco” dessas espeluncas.

Não à toa, em razão dos seus lucros exorbitantes, patrocinam desde times de futebol a boxeurs, em verdadeiras operações de lavagem de dinheiro. Algumas ainda tem a coragem de anunciar que “não fazem crédito consignado”. E até agora não se sabe o porquê da letargia do BCB e da CVM em buscar o saneamento de um setor que prolifera, à sombra de ilicitudes, nos centros urbanos das principais cidades brasileiras.

Como corolário de décadas perdidas em razão de erros de política econômica e da selvageria imposta pelos juros altos, a participação da indústria de transformação no PIB definha como faquir: em 30 anos despencou mais de 10 pontos percentuais, passando dos 21,6% em 1985, para 11,4% em 2016, mesmo patamar de 1947, pasmem os senhores.

Assim sendo, diante de todos os aspectos mencionados, imagina-se que devam ser analisados, naquele estudo do BCB, os seguintes quesitos: (1) os efeitos das operações compromissadas sobre os canais de transmissão da política monetária, diante do “efeito de manada” do mercado, já mencionado, que tendem a potencializar a ação do BCB em aumentos da Selic, mas não no sentido contrário, de quedas nas taxas básicas; (2) a cobrança de spreads abusivos, com sustentação em taxas de inadimplência irreais e ardilosas; (3) o viés dos juros altos na retroalimentação da inflação; (4) o aparente paradoxo de baixo nível de atividade na presença de pressões de demanda (não seriam de oferta?). Todos parecendo conduzir a um círculo vicioso sem fim na economia.

Sob o foco do hiato do produto, poderiam ser medidos não apenas a parcela do PIB que faceia choques de demanda, via política fiscal ou quedas inesperadas nas taxas básicas de juros, mas também os choques causados na economia pela manutenção da Selic muito acima de seu nível real de equilíbrio, em situações massivas de desemprego e de capacidade ociosa das empresas, como vem ocorrendo nos últimos 4 anos. É o mínimo que se poderia esperar nessa cartada do BCB.

Talvez só assim seja possível, em 2018, ano eleitoral, que cabeças bem-intencionadas possam vir a postular por uma política industrial condizente com um ambiente de negócios mais favorável à inserção do Brasil no processo de crescimento econômico global.

E que dessa forma o País não se enverede novamente pelos caminhos obscuros do “nada a fazer”, quando aí, então, poderia se “enfastiar” pela inanição de mais uma década perdida. Com a palavra o BCB e as autoridades econômicas brasileiras!

* Leonardo Condurú é economista aposentado da BR Distribuidora.

Consultor econômico independente.

E-mail: odranoel.urudnoc@gmail.com

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