Escrito por Leonardo Condurú (edição revista em 24/12/2018)
Na minha opinião, um “sistema de cotas”, como o atualmente adotado no Brasil, é uma covardia inominável e discriminatória contra o povo brasileiro, sob qualquer justificativa: seja para resgatar dívida social em favor de etnias; para beneficiar segmentos de baixa renda; para indenização a grupos com baixo background educacional, ou para qualquer outra finalidade. É, na prática, um subsídio caríssimo e desnecessário que depõe contra a sociedade brasileira com inúmeras e tantas outras prioridades e carências.
O engraçado é que no Brasil “políticas públicas” dessa natureza são quase sempre propostas por sociólogos e políticos comprometidos com minorias barulhentas de partidos populistas — em particular os que se intitulam como de esquerda — fugindo da questão central que é discutir a educação brasileira a fundo, a raiz de todas aquelas mazelas.
Uma reforma educacional para valer é necessária, mas assusta muita gente mal-intencionada que quer se perpetuar no poder às custas da desigualdade social do País, via educação de má qualidade, pobre e até insalubre em alguns casos.
Uma proposta mínima nessa direção vai aqui encaminhada. Como se sabe, a igualdade de oportunidades é o primado maior da democracia e deve começar pela educação básica, fundamental e média, de boa qualidade, pública, gratuita e extensiva a todos, sem exceções.
Nos redutos mais pobres e desassistidos impõe-se o dever de estados e municípios, com o aval e apoio da União, de se criar “escolas-lares” integrados, que funcionariam em horário integral, com apoio materno e creches, com infraestrutura física e pedagógica adequadas, alimentação saudável a todos, e ensino básico inclusivo, envolvendo-se as comunidades contempladas no apoio docente.
Nas turmas de ensino médio, funcionariam como verdadeiras “escolas de excelência” ao feitio dos colégios de aplicação, que têm se destacado fornecendo ensino de boa qualidade em algumas cidades como o Rio de Janeiro.
As áreas selecionadas para a implantação de projetos-piloto (tantos quantos necessários) seriam escolhidas por sua tipicidade: quanto maior fossem as carências das comunidades, a densidade populacional, os altos índices de violência, os baixos perfis educacionais (com indicadores de evasão escolar) e de renda, com aval nas demandas detectadas pelos censos educacionais, PNADS e outros levantamentos socioeconômicos, demográficos e educacionais.
Quando se diz ensino de excelência e inclusivo não está se pensando apenas em privilegiar a grade curricular de hoje, com ênfase nos ensinos de português, matemática, ciências, biologia, química, física, ou educação física convencionais. Trata-se aqui de preparar as crianças e jovens desassistidos, para um mundo real e competitivo longe de ser apenas um abrigo para os bem alfabetizados.
Nesse contexto, seriam incluídas disciplinas que lhes agregariam valor já nas segunda e terceira infâncias, como por exemplo: empreendedorismo, políticas públicas e projetos de mutirão comunitário; tecnologias da informação, robótica, impressoras 3d, web e redes sociais; como se aprender qualquer coisa fazendo; idiomas (pelo menos dois); noções de direito e busca por justiça; educação financeira, noções de jogos empresariais; noções de biomedicina, primeiros socorros e práticas de enfermagem; práticas de sustentabilidade ambiental, energias limpas, reciclagem de resíduos; iniciação ao agronegócio; noções de mecânica; noções e práticas de construção civil; práticas desportivas de inserção olímpica, dentre muitas outras.
Estas escolas, absolutamente disruptivas em relação aos modelos educacionais vigentes, funcionariam ainda como polos avançados de saúde pública, fornecendo-se também às mães e responsáveis pelos alunos, no âmbito das matérias curriculares e extracurriculares, toda a informação disponível e necessária para uma vida mais saudável em sociedade. Uma dessas referências seria no tocante à higiene, à aplicação de vacinas em campanhas de vacinação, e ampla informação a respeito de gravidezes precoces e/ou indesejadas, bem como a forma de impedi-las ou evitá-las, com distribuição gratuita e massiva de contraceptivos orais às meninas, às suas mães e demais mulheres dessas comunidades, que assim os desejassem.
Como se vê, as sugestões vão longe e trariam junto certificados inseridos num programa valorativo, de modo a contemplar “cada aluno com pelo menos um ofício”, que poderia lhes render trabalho e renda, antes mesmo da opção pelo ensino superior, ou pelo ensino técnico de extensão; mitigando-se a possibilidade de cooptação pela indústria do crime.
A esperada redução dos indicadores de violência e a preparação de docentes ao longo do tempo poderiam contribuir para a absorção da mão de obra das comunidades locais na rodagem do programa, de modo a torná-lo autossuficiente nesse quesito.
No tocante ao ensino superior, as universidades públicas devem continuar a patrociná-los, mudando-se o enfoque: “ensino superior público de boa qualidade para todos”. Para os que podem e devem pagá-lo, com mensalidades competitivas capazes de cobrir pelo menos os custos de manutenção de cada curso; e inteiramente gratuitos para os que não podem nada com as rendas familiares disponíveis.
Na hipótese de gratuidade plena, a contrapartida natural poderia ser a “prestação de serviços profissionais e/ou comunitários”, por parte dos estudantes por ela contemplados que a entendam como justa retribuição à sua formação integral não onerosa. Neste programa estaria incluída, opcionalmente, a “interiorização remunerada” de profissionais, das áreas biomédica e tecnológica, por exemplo, em regiões ou cidades carentes desses profissionais, previamente definidas pelo órgão gestor do programa. As contratações se dariam por períodos regulares de seis meses, renováveis até um máximo de vinte e quatro meses.
A cobrança de mensalidades pelas universidades públicas —módicas, mas capazes de cobrir pelo menos os custos de manutenção de cada curso —, impõe-se como uma necessidade absoluta do País, frente à escassez tamanha de recursos, se este não quiser ver seus filhos subempregados e patinando na ubiquidade de oportunidades oferecidas pela economia brasileira, já em quatro décadas de estagnação.
Nos EUA, até pouco tempo atrás havia um único exemplo de universidade pública totalmente gratuita que depois de várias tentativas de se manter viva naufragou no realismo da economia de mercado globalizado. Os cinquenta estados americanos, contudo, dispõem de universidades públicas todas pagas, mas muito menos custosas do que as tradicionais particulares, estas regiamente remuneradas para deleite dos mais aquinhoados, ou bolsistas por excelência de capital humano ou por desempenho desportivo. Salvo em alguns países autoritários e populistas, é assim que a educação funciona no mundo todo. Que nos digam os coreanos do Sul!
No Brasil isto não seria diferente e dentre as vantagens oferecidas por políticas dessa natureza estariam o acesso mais amplo e democrático ao ensino superior; a criação de mais e melhores cursos, inclusive em horários noturnos; o aumento do número de vagas e, por extensão, pela concorrência, o barateamento do custo das universidades particulares de excelência, melhorando-se e aumentando-se, portanto, o acesso ao ensino superior a todos os que queiram fazê-lo, uma vez que não é obrigatório. Se é ou não uma boa ideia, depende de ampla discussão da sociedade. Mas, com ou sem retoques, aposto todas as minhas fichas de que não seria simplesmente apenas mais uma ideia.
Recentemente, o IBGE divulgou dados acerca do perfil populacional dos brasileiros, cuja população cresce em ritmo mais lento e envelhece mais acentuadamente, esperando-se para o ano de 2035 a entrada do Brasil no rol daqueles países com crescimento populacional zero. O que talvez possa representar uma boa oportunidade para aplicação de recursos públicos em programas inclusivos, como os aqui sugeridos, que tenderiam a ser mais previsíveis e eventualmente menos gravosos ao erário ao longo do tempo, inclusive pela reciprocidade passível de ser adotada com a gratuidade plena concedida aos estudantes carentes do ensino superior.
Os projetos educacionais bem-sucedidos numa ou noutra comunidade serviriam como benchmarks para extensão do programa a todos os estados e municípios que queiram trilhar nesse caminho, buscando-se, quiçá, a massificação de educação de boa qualidade a todos os brasileiros, e que possa permitir ao País a busca de mais e melhores colocações no pódio do IDH das nações.
Cabe mencionar, ainda, um adendo de última e boa hora a este texto obtido da Revista Época, de 24/12/18, páginas 80 e 81. Dentro do programa de implementação da Base Nacional Comum Curricular, durante o evento “Educação 360” realizado em SP, em 12/12/18, verificou-se que duas grandes prioridades mereceram atenção especial dos educadores participantes: (i) o conteúdo dos novos currículos e (ii) a forma como o ensino será levado para dentro das salas de aula.
Segundo Andreas Schleicher, coordenador do Programa Internacional de Avaliação de Alunos da OCDE, "é um desafio saber como evoluir na forma de apresentar os conteúdos aos alunos para que eles desenvolvam as habilidades do século 21. Não predominam mais as competências manuais, mas as atividades cognitivas, o pensamento com criatividade e com habilidades sociais, de cooperar, de se conectar".
Ou seja, surge no horizonte uma nova forma de ensinar, onde a educação deve se preocupar com novas habilidades que levem em consideração o fato de as pessoas estarem vivendo uma revolução digital, bem em sintonia com algumas das ideias que expus ao longo desse texto, o que me deixa bastante satisfeito.
* Leonardo Condurú
Economista aposentado da BR Distribuidora e consultor econômico independente. E-mail: odranoel.urudnoc@gmail.com
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